segunda-feira, 28 de dezembro de 2015


A MORTE DE UMA LÁGRIMA

As lágrimas são assim...
Vivem quietinhas em seus canais na expectativa de um dia poder rolar em um rosto.
Elas apenas aguardam o momento certo.
Mas há sempre aquela lágrima que não se conforma em viver na passividade, aguardando na fila lacrimal, até chegar a sua hora. Elas querem experimentar viver em outros canais. Ficam inquietas e querem adquirir outras vivências antes que chegue o dia tão temido por cada lágrima: o rolamento.
As lágrimas também choram ao ver partir suas lágrimas mais chegadas. Aquelas que ficam pertinho. Cantam canções, pulam, brincam, aproveitando carona na felicidade alheia.
Mas elas não sentem inveja daquela felicidade, pois, esta lhes concede a oportunidade de viver um pouco mais.
A melhor coisa que acontece na vida de uma lágrima é a felicidade alheia, porque essa é também a sua felicidade.
A única certeza que elas têm é que o dia que aquela felicidade desmoronar, lágrimas vão rolar e as que ficarem retidas ali, terão oportunidade de viver mais um pouco, mas não serão as mesmas. Uma parte delas se foi... rolou pela derme de alguma face cuja alegria foi interrompida por um momento.
Elas também têm a esperança que novos sorrisos brotarão e mesmo sabendo que o dia delas também chegará, continuam cantando, sorrindo, vivendo.
Mas houve lágrimas que ousaram procurar outros canais. Canais mais desenvolvidos que ofereciam maiores oportunidades de vida para elas.
Isso não tirava delas a certeza que um dia rolariam, mas, pelo menos, ousaram!
Algumas foram para canais tão desenvolvidos, onde muito concreto e tecnologia foram aplicados a fim de melhorar a qualidade de vida lacrimal. Mas viram quanta ilusão havia no meio do concreto e nas redes tecnológicas. Afinal, elas endureciam aquele que as retinha, de forma que não conseguia derramar uma lágrima sequer. Perceberam que a tecnologia e o concreto eram bons, mas separavam... dessa forma, havia mais conforto, mas em contrapartida, cada lágrima vivia mergulhada em sua própria solidão, ainda que se comunicasse com as outras. Sabe? Agora, mesmo que desejassem rolar não poderiam. O concreto dominou e fechou os canais.
Daí as lembranças povoavam seus átomos e saudosamente cantavam, dançavam, pulavam, mas sem o mesmo vigor... Porque melhor lhes fora quando pulavam e cantavam juntinhas. Porque assim não percebiam quando o canal se abria e chegava a hora de alguém rolar.
A vida do outro lado era um mistério para aquelas que ficavam.
Ninguém ousava nem imaginar como era, pois, isso gerava um sentimento de derrota, de perda e consequentemente de tristeza. Então, elas escolhiam viver sem se preocupar com a hora que o canal se abriria.
E o fim daquelas que ousaram, foi secar-se recolhidas em sua insignificância. O progresso lhes impediu de cumprir sua missão. Mas agora o canal não se abria mais... Para que quando rolassem, aliviassem uma dor qualquer ou esvaziassem um peito que estava prestes a explodir. Isso não era mais possível! Pois aquele ser não chorava, era desprovido de sentimentos, porque estava envolto em camadas de concreto que foram sendo formadas a cada grito, a cada indiferença, a cada apedrejamento, a cada escassez ou falta de pão, a cada injustiça, a cada falta de oportunidade...
Os sentimentos eram implodidos pela falta de lágrimas. Afinal, elas se ocuparam tanto com o progresso que se esqueceram do objetivo da sua existência, que era rolar.
O rolar de uma lágrima é o seu momento mais nobre. Mesmo sabendo que jamais voltaria para seu canal e sequer veria a quem amava.
Ficaria ali, inerte, presa em um tecido, lançada ao chão ou outro destino qualquer. Mas estaria feliz porque sabia que tinha cumprido a sua missão. Sabia que se esforçara ao máximo para aliviar uma dor. Sabia que o seu rolar não foi em vão.
Por isso, a maior parte preferia não se aventurar pelo mundo lacrimal. Escolheram ficar ali na fila, cantando, pulando, dançando, se alegrando com outras alegrias e vivendo intensamente cada momento, sem se preocupar com o portal.
As mais sábias ensinavam às aventureiras que o progresso não era de todo ruim, mas cegava e tirava a oportunidade de aproveitar o que havia de melhor na vida de uma lágrima, que era a boa convivência, que gerava a união em prol do bem-estar de todos aqueles precisavam chorar.



O amor e as estações

Amor e estações...
Há muitas especulações!
Entre raios e trovões.
Permanecem as tradições.

Quero um amor na primavera!
Assim perfuma-se o leito.
Rosas, jasmins e a hera,
Abrem uma brecha no meu peito.

Tudo bem...
A hera pode ser tóxica e as rosas têm espinhos...
E o jasmim com toda a classe.
Produz a beleza e o perfume dos ninhos.

Nem tudo é perfeito!
Mas uma coisa digo aos românticos contumazes.
Quem resiste aos espinhos das rosas e da hera o efeito.
Ao amor se tornam capazes.

Ah! Meu amor! Venha no outono.
Pois colheremos os deliciosos frutos do amor.
Plantaremos juntos um pomar.
E nossa vida terá muito sabor.

Mas não se esqueça de uma coisa.
Pomares atraem pragas... Mas resistamos de mãos dadas.
E que a essência do amor,
Cure todas as chagas.

Assim quando a chuva chegar.
Novos ramos vão brotar.
E o cheirinho de terra molhada.
Faz a alma se acalmar.

Se vieres no inverno.
Vamos fazer uma lareira.
Aqueçamos um ao outro.
Como se o amor fosse eterno.

Doce amor de inverno...
Que nos envolve em lençóis dourados.
Quem dera fosse eterno!
Mas efêmero, esvai-se nos ais desvairados.

Mas venha no verão.
Onde os raios nítidos do sol rútilo.
Aquecerão com gotas refulgentes.
Esse amor incandescente.

Ainda que gotas estrépitas,
Insistam em desmoronar nosso castelo de areia.
Subsistiremos carregados pelas ondas.
E no fundo do oceano seremos transformados em pérolas.
E perpetuaremos esse amor que resistiu
Às intempéries de todas as estações.










terça-feira, 22 de dezembro de 2015

ASSIM SE VAI A VIDA...
Escutem isso meus amigos!
Uma história eu vou contar.
Tirem lá suas conclusões.
Mas é de arrepiar.
Voltando lá nos primórdios.
Por volta de mil e quinhentos.
Chegaram aqui três caravelas,
Cheias de brancos sedentos.
Sedentos mas não de água
E sim loucos por riquezas.
Encantados ficaram
Com inúmeras belezas.
Mas a ganância, vejam só...
Não permitiu apreciação
Por causa dela iniciou
Desenfreada depreciação.
Não satisfeitos com os atos
Pioraram a situação
Tentaram explorar os nativos
Através da escravidão.
Mas esses não aceitaram
E fugiram para as densas matas
E agora, como vamos
Manter nossas negociatas?
Daí, tiveram uma triste ideia
Partiram para o continente africano
Foi então que começou
O ato mais desumano
Laços e correntes
Mercadorias sem defeitos
Troncos e chicotes
Trabalho duro sem direitos.
Mas é nesse ponto mesmo
Que começa a nossa história
Vários fatos aconteceram
Até o tempo de agora.
Esse povo tão sofrido
Por causa da escravidão
Enfim ficaram ‘livres’
E puderam ganhar seu quinhão.
Uma grande mistura ocorreu
Cafuzos, mamelucos, mulatos...
Sotaques, comidas e crenças
Danças, ideias e fatos.
Passado muito tempo, veio a Constituição
E disse que todos somos iguais
Mas por que só têm direitos
As pessoas que possuem mais?
Igualdade quer dizer
Segundo a tal lei
Que todos têm os mesmos direitos
Seja plebe ou seja rei.
Mas não é assim que acontece
Quando sobrevém o mal,
Alguns ficam nos fundos
E outros ficam no hall.
Trabalho árduo acontece
Lá nos bastidores
Mas quem leva a fama
São pouquíssimos atores!
Ah, meus conterrâneos
A vida é cheia de ilusões!
A labuta da maior parte
É pra enriquecer os patrões.
E quando a calamidade chega
Sobrevoam pra não se sujar de lama
Voltam para casa fadigados 
Mas descansam em uma confortável cama.
No outro dia bem cedinho
Mesa farta, jornal e rede
Enquanto os trabalhadores
Morrem de fome e de sede.
E se uma catástrofe acontece
Qual é o problema meu irmão?
Eu tenho muito dinheiro
Vou para o paraíso de avião!
Fiquem aí e se virem
Cuidem dessa lambança
Depois faço outras promessas
Pra ganhar sua confiança.
Vai ficar tudo bem.
O sofrimento é passageiro.
O que me interessa mesmo
É roubar o seu dinheiro!!
Dá pra entender agora
A estrutura desse mal?
Ele está lá na raiz?
Ou no jugo desigual?
Voltando lá na lei.
Você acha que ela é cumprida?
Se todos ficam calados.
Assim se vai a vida...
Sofrida...
Na lida...
Bandida...
Denegrida...
Padecida...
Exaurida...
Falecida.

Butterfly
A ROTINA

A rotina do banco é a fila
A rotina do jardim é a flor
A rotina do sonho é a espera
A rotina de setembro é a primavera...

A rotina do ônibus é a lotação
A rotina da rodovia é o caminhão
A rotina da mesa é arroz e feijão
A rotina do pobre é a prestação!

A rotina do cão é o latido
A rotina do gato é o miado
A rotina da dor é o gemido.
A rotina do portão é o cadeado.

A rotina do amor é a ilusão?
A rotina do casal é a comunhão?
A rotina da mulher é o fogão?
Não!!! A rotina dela é o salão!

A rotina do fogo é a chama.
A do preguiçoso... rum! A cama!
A rotina céu é o infinito.
E a do desespero, o grito!!

Pra tudo tem rotina...
Não há como fugir.
Seja a vida fácil ou dura...
A rotina não tem cura.

 Butterfly
SOMOS UM TEXTO

Sim...
Somos um texto e vamos nos escrevendo cotidianamente.
Talvez sejamos aquele texto leve que todos querem ler.
Ou aquele divertido que levamos para toda a parte.
Quem sabe um texto cheio de mistérios que muitos querem desvendar?
Podemos, ainda, ser aquele texto que ninguém quer ler.
Muitos se constroem com palavras estruturadas e cada uma delas é milimetricamente planejada e o resultado se pauta na coesão e coerência.
Tem os que são construídos baseados em outros textos, não se criam ou se recriam, estão sempre à espreita, esperando uma palavra ao vento para agregá-la, tecendo-se em meio a pontos e vírgulas, aspas e parêntesis, mas acabam sendo lidos, e, por vezes, sendo bem sucedidos.
Há ainda, os que não são pensados, nem planejados, tampouco provenientes de outros textos. São frutos de aventuras, onde as palavras são capturadas nas emoções de um vôo de asa delta, na escalada de uma montanha íngreme, em um mergulho no mar límpido e azulado contrastando com o colorido dos seres que ali habitam e o resultado é extraordinário. Fazem o coração dos que o leem palpitar em rios de adrenalina e despertam os mais improváveis sentimentos, de paixões extravagantes, amores platônicos ou saudades, muitas saudades...
É triste pensar naqueles que têm seu enredo modificado por textos alheios, às vezes sem permissão. E incluem parágrafos tristes, cujas páginas são marcadas com as gotas das lágrimas derramadas e porque não com sangue? E assim vai sendo tecido na máquina da vida sem que aquele parágrafo possa ser completamente apagado, pois, já foi impresso, editado e reeditado. Mas alguém sempre abrirá aquela página... e ressuscitará as lágrimas que outrora estavam perdidas no meio de outros textos que foram sendo escritos, com novos enredos, querendo escapar daquele episódio e quem sabe, construir um final feliz .
Muitos ficam empoeirados, em um canto da estante... afinal, não trazem sobre si aquelas capas coloridas, cheias de elementos que engodam os olhos. Mas de repente, alguém os abre e vê o quão interessante é seu conteúdo e começa a se perguntar por que ninguém se interessou em lê-lo. Quantas qualidades estão nas linhas e entrelinhas daquele texto!!
Podemos ser também um texto diferente que causa receio porque não está alinhado aos parâmetros das normas cultas. Tem que ser revisto, corrigido, para que então seja aprovado e publicado. Imagine! Um texto assim... sem ortografia, sem concordância verbal e nominal... onde já se viu? Completamente incoerente, sem sentido... foi tecido com palavras soltas, desconectadas... não se encaixa nas normas técnicas... descartem-no ou deixem-no em um canto qualquer, pois, não é digno nem de ser avaliado!!
A vida é mesmo esse livro escrita por diversos autores, lida por tantos quantos queiram e julgada por aqueles que não contribuíram com uma palavra sequer para que se tornasse ‘apto’ para estar em exposição nas melhores e mais conceituadas livrarias. Tampouco leram as mensagens, os pedidos de ajuda, os gritos sufocados por corretivos ou mesmo apagados por alguma borracha, ocasionando uma mancha, que só será limpa se a página for substituída por outra, com a oportunidade de ser reescrita.
Mas ainda assim, saberemos que um dia aquela palavra errada foi escrita no livro de nossas vidas. A borracha pode até tê-la apagado, mas a marca ficou no papel. E sempre, ao voltarmos naquela página, nos lembraremos daquela palavra.
Há borrachas que apagam, mas nos dão oportunidade de escrever novamente, do nosso jeito, contudo, há aquelas que apagam de uma maneira tal que rasgam o papel e aquele pedaço ficará para sempre inutilizado e todo o seu entorno amassado. Papeis que se rasgam e/ou amassam têm um destino certo: o descaso. Ou viram aquela bolinha que é lançada de um lado para o outro, até que acabe em um canto qualquer do chão ou na lixeira. O lixo é o destino mais triste de um texto, cujo papel foi rasgado sem poder ter o seu final escrito como o seu autor queria.
Pois é... somos sim um texto!! Mas que tipo de texto?
Escolha ser aquele que simplesmente é escrito sem se importar se será lido ou não, mas que ao final terá vivido e provocado intensas emoções naqueles que ousaram tirá-lo da estante...
Butterfly



quarta-feira, 22 de julho de 2015

VIAGEM PELA ALMA

Oi...
Estou de malas prontas. 
Vou sair por aí viajando pela alma!
Têm muitas coisas ocultas nela... Segredos, sentimentos, cicatrizes, raízes, frustrações, decepções... 
Pensei em desistir...
Mas já estava tudo preparado. Então fui assim mesmo.
No começo a viagem me remeteu a uma grande dor. Me contorcia e até pensei em voltar. Mas relutei e continuei.
Encontrei nela muitas lembranças. De todos os tipos. 
E vi que existia ali coisas boas! Sentimentos bons!
Mas eles estavam sufocados! Havia muitos espinhos em torno deles.
Vi flores e senti o perfume delas.
Ouvi lindas canções.
Vi sonhos!
Nunca imaginei que pudesse encontrar essas coisas em uma alma desiludida!
Mas elas estão lá, buscando forças para sobressaírem... buscando uma fresta com um pouco de luz e calor para quebrarem os espinhos e vencê-los.
Pensei em intervir, mas fiquei com medo de me machucar.
O egoísmo me segurou forte e não me deu chances de tentar.
Foi aí que descobri o mais temido dos segredos: eu queria consertar o mundo e não enxerguei o quanto eu precisava me consertar! Mas minha alma estava vazia de esperança. 
Encontrei um espelho velho e quebrado. Aproximei-me dele. Mas ao chegar bem pertinho, vi que ele estava perfeito. Ele somente refletia as imperfeições que saíam impetuosamente do meu interior.
Gritei... Sofri... Chorei... Me rasguei por dentro e caí em um profundo sono.
Os sonhos voltaram a povoar minha mente adormecida.
Eles me mostraram o quanto eu deveria mudar!
Aprendi tantas lições!
E a que mais me ensinou foi aquela do espelho... ela me mostrou o quanto eu era imperfeita... a mais imperfeita das criaturas.
Daí, entendi que eu não tenho que consertar o mundo, nem os pensamentos dos outros, mas a mim mesma.
Entendi que existem pessoas carentes da minha ajuda, contudo, não de palavras e sim de ações.
Entendi que ao consertar a minha alma quebrada, eu teria condições de enxergar as outras almas com mais amor.
Entendi que ao aperfeiçoar a minha mão, eu teria condições de estendê-la para outra alma que estivesse caída, ajudando-a  a levantar.
Entendi que ao consertar meu pés, poderia caminhar em direção àqueles que gritavam por socorro.
Sobretudo, entendi que outras almas também viajavam dentro de mim e eu poderia viajar dentro delas através das atitudes.
Coloquei os cacos na bagagem... Não dava para descartá-los dentro daquela alma!
Me despedi e voltei trazendo na mala os cacos e as lições.
Guardei-os em uma linda embalagem para que toda vez que eu olhasse para ela me lembrasse daquela viagem e assim, me mantivesse em constante reciclagem.
Dessa forma, voltei a ter motivações pra construir o meu próprio espelho, que me mostrasse como eu estava por dentro. Que mostrasse as minhas imperfeições, de modo que eu pudesse entender o quanto eu sou pequena, o quanto eu tenho a aprender, o quanto eu tenho que crescer... não para ser maior ou melhor que as outras almas, mas para, pelo menos, tentar ser melhor do que eu fui ontem.
(Butterfly)